27 de dezembro de 2007

Terceira pessoa

Vertigens em azul, daqueles de fim de tarde quase noite. Vejo-me colado ao batente da porta, copo na mão de uma bebida que me falha a memória. Queria sentir seu gosto e poder enxergar o meu rosto, mas mesmo a pouca distância é um muro intransponível para minha miopia. E aquele pouco de surdez me previne de ouvir minha própria voz, que fica abafada em palavras que saem fracas da boca e do qual pouco se entende senão pelos lábios. Daí que a minha terceira pessoa percebe-se confusa e obscura no entendimento de mim mesmo, já na calada da noite, o céu em estrelas.

6 de dezembro de 2007

Olha pra mim

Peço com os dois pés e joelhos juntos, as rótulas como pregos no chão.

28 de novembro de 2007

As cidades e os desejos 2

"A três dias de distância, caminhando em direção ao sul, encontra-se Anastácia, cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por pipas. Eu deveria enumerar as mercadorias que aqui se compram a preçoes vantajosos: ágata ônix crisópraso e outras variedades de calcedônia; deveria louvar a carne do faisão dourado que aqui se cozinha na lenha seca da cerejeira e se salpica com muito orégano; falar das mulheres que vi tomar banho no tanque de um jardim e que às vezes convidam - diz-se - o viajante a despir-se com elas e persegui-las dentro da água. Mas com essas notícias não falaria da verdadeira essência da cidade: porque, enquanto a descrição de Anastácia desperta uma série de desejos que deverão ser reprimidos, quem se encontra uma manhã no centro de Anastácia será circundado por desejos que se despertam simultaneamente. A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer. Anastácia, cidade enganosa, tem um poder, que às vezes se diz maligno e outras vezes benigno: (...) a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo." - As cidades invisíveis, Italo Calvino

24 de novembro de 2007

Estrada

A vida definitivamente é uma estrada de muitos caminhos, escrita a areia. É necessário feeling para atravessar incólume por ela e muitas vezes o sentimento de arrependimento, ou a súbita sensação de que uma escolha alternativa teria levado a um local melhor, nos acomete e desejamos retornar. Mas querer dar uma passo para trás é perceber que o caminho não está mais lá: ele mudou com o vento e o que nos resta é andar para frente a procura de outras escolhas, outras dúvidas. Da trajetória que percorremos, não nos resta nada muito além de remorso, dúvida, arrependimento, as feridas nos pés que andaram demais e um futuro inteiro pela frente, até onde o futuro acabar.

4 de novembro de 2007

Pelo dinheiro

Penhorei o coração por falta de uso. A peça era meio antiga mas funcionava com precisão: batia regularmente e, na presença de um rosto mais bonito, se encantava, amava e fazia versos. Mas precisava do dinheiro. A vida tem cada dia me custado mais caro e mesmo as necessidades básicas do hoje foram emendadas em pequenos luxos, para dar uma certa graça em viver. Por alguns poucos tostões furados, deixei na loja, coração por muito inutilizado e cansado de dor.

Quando os problemas financeiros ficaram de lado, resolvi passar na loja para retomar o que me era de direito, pois como se sabe, coração só se tem um e se ganha apenas quando se nasce. Para minha surpresa, o lojista me aparece com uma cara de indiferença e diz: "seu coração foi vendido, senhor. uma menina passou por aqui e o comprou, nem fez questão de saber quem era o dono". Senti angústia, mas não chorei porque levava o peito vazio. Começou então uma caçada pessoal e inesgostável pelas ruas da cidade por uma menina que comprou meu coração (tão barato). A ela, peço que me devolva, por favor. Pago em dinheiro.

25 de outubro de 2007

Simples

Uma grande amiga minha certa vez me ensinou que as pessoas são com estações: algumas passamos sem perceber, ficamos muito pouco tempo a observar outras, temos um contato intenso mas pouco duradouro com outras pessoas, e algumas delas vivem para sempre em nós, como uma constante em nossas vidas.

Acredito que tudo em nossas vidas tem uma relação análoga com as pessoas com quem nos relacionamos. Tudo dura seu tempo e tem seu grau de importância. Foi assim que aprendi a perceber que às vezes a poesia da vida se apresenta sobretudo na forma das coisas simples, casuais. O extraorinário que encontramos nos cotidiano é exatamente essa capacidade de interpretar tudo como um romance de páginas marcadas e diálogos previsíveis.

Foi aprendendo a apreciar as coisas simples da vida que tomei gosto pelas pessoas simples e sem ambiguidades de coração. E de maneira análoga, passei a desenvolver uma simplicidade na maneira como exponho meus fatos sobre a vida. Por muito tempo tive medo de me pronunciar; hoje vivo o medo de morrer calado.

23 de outubro de 2007

Quero meu eu de volta

Revisitando versos, estrofes, parágrafos e fotos, acabei te encontrando quase sem querer. Talvez tenha me doído seu riso quase esfingético, talvez o meu riso indiscriminado. Percebi todo um vocabulário voltado ao amor, um vocabulário de quem ama. Erros gramáticais, sintáticos, semânticos (apenas no texto) de um desnorteado apaixonado.

Peço de volta meu coração. Quero um coração simples e ancioso, que chora no sim e no não. Quero palavras simples impostas de maneiras complicadas e cheias de sentido e coração. Quero de volta leituras demoradas, quero meus amigos de bar. Quero a dúvida do amadurecimento e uma certeza que brota do chão. Devolva meu coração. Devolva o que eu era antes.

15 de agosto de 2007

Metáforas

Cheiro de rosas e alecrim
Informações desencontradas
Vejo estradas
A certeza de saída
O trem veloz que passa
Gosto de limão
Pseudônimos e apelidos
Segredos e mistérios
O gol de placa: uma pintura
O som da própria voz (abafada pelos ouvidos)
Despertar 3°C mais quente
A coleção de xícaras
No teto, um móbile de origami
Um tubo de gel pra cabelo
Leite e biscoitos pela manhã
Celular toca: é do hospital
Sinos tocam com o balanço da brisa
Um jogo de cartas
A rede de balanço e um copo embaixo
Festa junina
Um calendário com dias riscados
Lágrimas no ônibus
Abrir bem os braços
Leituras em atraso
Dois tubos de cola e o robô de caixas
Várias e várias bijuterias
Uma carta anônima
Amanhã, a espera acaba

29 de julho de 2007

Veneno

E de novo, lá em cima do piano tinha um copo de veneno. Já virou quase meu vício. E meu mundo gira todo ao redor desse um copo de veneno, quase ela uma droga e eu seu mais fiel dependente. O amor sempre bate na trave. E te subverteram, amor, te reviraram e você-palavra perdeu o sentido-dicionário. E eu sigo à procura de um alguém assim, tão justificadamente veneno que me reviva ao invés de matar minha esperança nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo. Copo de veneno: quem bebeu morreu, o azar foi meu, foi meu.

25 de junho de 2007

Cadernos

A coisa que eu mais amo em escrever é a liberdade que o ato me confere: sinto-me verdadeiramente livre em escrever aqui, longe de amarras e aparências que me prendem a uma realidade que nem sempre corresponde ao que verdadeiramente sinto. Tem vezes que, quando me apaixono, me apaixono pelo que é completamente errado, vai contra o sentido das coisas. Jamais poderia assumir meus amores proibídos ao público. E é aqui que eu o faço, escondido sob uma manta fina de poesia e sonhos que só assumo a dois.

9 de junho de 2007

Dualidade

Daquele outro lado, no gêmeo, eu tento manter as pontas firmes, a discrição e a impessoalidade. Mas é difícil. Quantas vezes não adiei textos por causa de estado de espírito e poética. Engolido por um círculo de estados, não me sinto bem para começar um relacionamento novo e no entanto acredito que só isso vai me trazer um pouco de verdade para a minha vida.

Já passei por barras piores, mas a simples apatia com relação ao meu estado (talvez indiferença) não me faz desgrudar os pés do chão. Fico preso e o mundo gira ao meu redor. Quero paz e fuga, mas não encontro nenhum deles parado onde estou. Em alguns momentos sinto que vou explodir e talvez essa seja minha única solução.

2 de maio de 2007

Espera

Nesta casa no meio do nada,
Mais templo menos casa,
Há um alguém sempre a espera,
A espera de visita:
Visita sempre adiada,
Visita muito aguardada,
Visita bem recebida!
Mas o tempo faz a espera
Tornar-se mancha e tormento
Que acorrenta o coração.
E o solitário habitante
Na sua espera incessante
Faz dela sua obsessão.

É no marasmo do tempo
Que é só mato e vento
E folhas e copas de árvore,
Que o sono chega e se aproxima,
Encanta com sonhos
Torna menos dolorosa a espera
Do solitário habitante.

À janela e com os olhos fechados,
Não se apercebeu o encantado
Que sua visita viera se mostrar.
Uma vez a campainha,
Duas vezes a campainha,
Três vezes a campainha.
Entristecida, a visita
Saiu em busca de um outro lar
A que pudesse visitar.

Acorda então o sonhador
Que sonhou em seu sonho
Que sua visita passou.
Foi olhar a sua porta
E seu pranto chorou
Ao ver na campainha
De menina a marca de um dedo,
Um par de pegadas
E gotas de lágrima no chão.

Entrou em casa,
Tornou à cadeira,
Secou as lágrimas e declarou:
O amor passou de novo
E meu sonho a levou.

28 de abril de 2007

Clichê

Se eu pudesse juntar toda a minha inveja de modo a condensá-la em moeda de troca para algo que minha inveja jamais seria capaz de alcançar com seus magros dedos, com certeza seria a composição dessa música:

Chega de saudade
Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim

Vai, minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai

Mas se ela voltar
Se ela voltar
Que coisa linda
Que coisa louca

Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você longe de mim...
Vamos deixar desse negócio
De você viver sem mim...

23 de abril de 2007

Músicas e mentiras

Post-its, lembretes, recados, pequenas mensagens, notas de agenda. Tudo aponta para uma data em especial, quando tudo acontecerá e será surpreendentemente novo. Músicas dão o ritmo na releitura dos papéis que levam a lembranças nunca sonhadas e fazem balançar a cabeça entre a confusão de tinta e papel e as mentiras marcadas na data ao acaso escolhida: reflexo das mentiras embaixo da camisa, do peito, das costelas.

12 de abril de 2007

Abril em rosas

Toda a falta de expectativa de um futuro em flor desabrocha em esperanças no enigmático abril. Resquícios de verão me revisitam. Fica esse botão de flor adiado por tanto tempo que promete desabrochar nesse mês, à espera de uma lágrima que abra suas pétalas em forma de um novo amor.

Islas de solitud

Faz tempo que não escrevo sobre amor? Faz quanto tempo? E há quanto tempo não se sente amor, paixão, verdadeira paixão? A verdade é que quanto mais se vive mais estranho esse mundo de pessoas tão diferentes, tão recentidas. Nossas histórias nos apontam para um lugar em que nós mesmos somos o refúgio que sempre sonhamos. Nós nos entendemos melhor do que qualquer um, afinal sentimos nossas próprias necessidades, solidões e paixões súbitas, quase desejo de grávida. No entanto, não nos preeenchemos.

Amar, verbo transitivo indireto. Cada dia que passo ouço-o mais intransitivo. Para um objeto qualquer, gostar é suficiente. "Gosto dele" "Gosto dela". Amar não, muita responsabilidade e falta de conhecimento. Confiança é artigo de luxo, são pontes entre as ilhas de solidão que criamos em torno de nós mesmos. A dor é muito mais conhecida, doença sexualmente transmissível, epidêmica.

É preciso reconstituir o tratado do amor que une os homens e as mulheres, colocá-lo novamente em pauta na próxima reunião das Nações Unidas, junto com o terrorismo e o aquecimento global. É preciso lembrar aos seres humanos a sua condição fundamental e sua nudez que os generaliza e os amedronta. É preciso quebrar os modelos de ilha; retornar a Pangéia fundamental.

26 de março de 2007

Viajar

Acho a descrição um dos mais ingratos estilos de texto possíveis. Isso porque definir em palavras qualquer coisa, cenário, sentimento ou mesmo uma palavra da língua portuguesa é algo que exige minúcia de quem escreve, quase como se fosse necessário incorporar o tema e buscar em si mesmo qualquer coisa que exprima exatamente (ou da melhor maneira possível) aquilo que se deseje fazer por conhecer. E o verbo viajar tornou-se exatamente isso: uma palavra difícil de se definir sem se fazer citar exemplos palpáveis e ou experiências pessoais. E é nesse clima de bossa, de uma saudade da própria saudade, dos tempos em que se tinha algo/alguém a se esperar, que eu descreverei o intransitivo verbo viajar:

Viajar, de verdade mesmo, é transportar-se para outro lugar. Não importa se você quer realmente ou não ir para esse lugar, fato é que você vai se surpreender com as milhares de variáveis novas que se apresentarão diante dos seus olhos e com as quais você não contava quando citou em uma conversa passageira o nome daquele lugar ou cidade. Tudo é diferente: as ruas, as construções, a língua, as pessoas, a mão da rua. As pessoas passam despreocupadas no seu dia-a-dia e você se impressiona com o grau de novidade que aquilo é para você e que é indiferença para quem passou a vida inteira ali naquele lugar.

O ar tem outro cheiro (que às vezes é cheiro nenhum, depende de onde você veio) e o céu tem mais estrelas. As nuvens são reproduções de quadros de campos invertidos, com plantações de algodão e grama azul meio-dia. Os carros serão muito mais novos e modernos ou surpreendetemente mais velhos, mas todos andam e isso é o que importa. As pessoas andam sem pressa alguma. É estranho conceber que as pessoas andam até o trabalho ou de bicicleta ou de carona com um vizinho. Aliás as pessoas são muito mais educadas ou mais duras; não falta educação, mas impessoalidade com que se trata um desconhecido dá o charme ao lugar.

De ônibus, carro, barco, é aquele mato baixo que corre as beiradas, muito rápido, muito devagar. De avião é aquele medo da altura e a insípida comida servida pelas aeromoças de saia. Aliás saia é o que não falta onde se está: as mulheres tem um estilo diferente, nada daquela mistura danada que tem no Brasil. É raro ter o corpo moreno das brasileiras, mas as mulheres de todo o globo possuem um charme pessoal e impossível de migrar com a pessoa. As praias onde elas se deitam, ou passeiam a pé, são de areia branca e um barulho de mar que por si só fala muito sobre si.

As noites tem mais lua, lua de prata, e tudo é tão mais sedutor do que a mesmisse de todos os dias onde se vive. Os preços mudam de acordo com o câmbio, a comida tem um tempero diferente. A globalização propicia muita coisa, mas a comida daquele lugar, só naquele lugar tem aquele "a mais". As bebidas podem mudar de rótulo, nome, mas a mão que mistura a bebida que você vai beber são de lá, daquele lugar. O colchão é de hotel, quando se tem. O chão se torna mais macio próximo da hora de dormir.

Nada é como se estivesse em casa. E viajar tem esse todo de infinito que cabe em um único vernáculo, é uma saudade adiada do instante da partida até o fim da vida, pois não há quem viaje que não queira partir novamente. É nascer e morrer, novamente.

Igualdade entre os homens

Nunca acreditei em idealistas da igualdade que não tenham se colocado algum dia numa roda de pessoas estranhas, dado as mãos aos outros e sentisse a união do todo. Para mim, muito mais interessante do que as teorias e vãs filosofias, algumas de boteco e bastantes baratas, valem mais as atitudes. Quem levanta a mão entende o que sente e sabe quem é.

23 de março de 2007

Violão

O corpo reverbera sons e notas de um violão. Pingos d'água ficam no limite entre cair e ficar, a cada corda tocada.

22 de março de 2007

Com açúcar e afeto

Ter vocação pra ser sozinho é qualidade de poucos. Eu, genérico, mediano, não faço parte dessa estreita parte da população. Sempre aguardo o amor, em cada canto de esquina, em cada trecho de poesia, em cada olhar que alucina. Amarga vida, café forte que nos mantém acordados. No limiar da alucinação da falta de sono e do gosto rançoso na boca, desabrocha em flor, flor de outono, um amor em [peixes-áries-touro], ascendente qualquer, que aguarda o primeiro beijo novamente.

9 de março de 2007

Apaixonamorar-se

Súbito o coração levita e plana no incontestável plano da paixão. As horas cheiram à tristeza, desfaz em lágrimas a solidão. Preponderantes irritações de cisco n'olho atacam em vermelhidão o coração. Quem antes se fazia falso e tristonho agora arranjou uma nova paixão. O nome dela eu não sei: o nome dele é João.

1 de março de 2007

Plano das idéias

Minha obsessão pela perfeição me atirou à solidão.

25 de fevereiro de 2007

Simplicidade

Acordar, chinelo, água, leite, rede para deitar, livro, horizonte distante, praia, mar, novamente o livro, cheiro de feijão do almoço, prato, talheres, um doce muito suave, baralho, rainha de copas, tabuleiro de xadrez, rainha preta, estante, vela, vaso, retrato, mesa, toalha bordada a mão, flores simplesmente, rádio, música, a dança, conversa fiada, cerveja, amendoim, São Paulo 1, Corinthians 0, biquínis, saias, cabelo molhado, toalhas dançando no vento do varal, bola, dez pessoas, cinco de um lado, cinco do outro, traves de chinelo, areia, areia, pôr do sol, sombras sob o céu vermelho, casa, ducha, janta, conversa, sono, sofá, meia-noite, amanhã.

Rascunho

Amar é loucura
Amarelo cura
A maré ...
Ama elo ...

9 de fevereiro de 2007

Dos nascidos do dia 20 de outubro

A dieta balanceada para a vida de um libriano é simples. Constituem elementos vitais: o amor e a mentira. Na falta de um, o outro é imediatamente procurado. Na gula, os dois se confundem e se unem. Na fome, não sobra nada para viver.

31 de janeiro de 2007

Desencontros no relógio

Faltavam cinco minutos
Para o jogo acabar.
Nossa conversa casual
Levou duas, três horas.
Um olhar de flerte, leve,
Foi uma piscada e se foi.
A fome ficou no tempo,
A gula nem um segundo.
O vento soprou no ouvido
E eu retornei anos atrás.
O semáforo de vermelho
Prenuncia o acidente.
Deitamos uma hora na cama:
Só gozamos esse pouco.
Os bancos abrem às nove,
Os bancos fecham às quatro.
Meio-dia é aquela preguiça
E meia-noite já é outro dia.
Vejo paralizada a vida
No leve momento da morte.
De repente mais um ano
Na vela de aniversário.
Viver é matar o tempo
À espera de outro nascer.

30 de janeiro de 2007

Variação sobre o mesmo bilhete

"Amo-te, mas sou incapaz de dizê-lo pessoalmente. Tive medo que você não entendesse o que meu coração diz e apelei para a forma mais covarde de falar essa verdade absoluta no meu peito. A paixão é chama passageira, mas sem ela não existiria o amor. Querer amar sem se apaixonar antes é querer acender uma vela sem antes acender o fósforo. Não existem milagres. Já me apaixonei por ti, mas agora te amo. Com as três letras, maiúsculas se necessário. Nunca entenderás o meu coração porque eu sou complicado demais e tudo que já passou pelo meu peito eu não conseguiria escrever neste simples bilhete. Mas quero que saiba, antes que eu me desiluda, ou ache o amor no peito, no corpo de outra pessoa, que eu te amo. Simplesmente e com todas as letras." - anônimo, no bolso da minha calça.

24 de janeiro de 2007

Desabafo na copa da árvore

Hoje eu sou muito mais reservado com a minha tristeza, com a minha depressão. Tento me ocupar fazendo qualquer outra coisa mas é inevitável: as más energias sugam tudo que há de disposição em mim. Por me sentir ilhado na minha própria tristeza, mantenho-me mais discreto com ela, sem dar muitos vestígios. Por cultivar tanto essa tristeza, mal espero o dia em que brotará uma árvore aqui em casa, do lado do computador.

23 de janeiro de 2007

Anti-poesia é prosa?

Quem diria: o poeta hoje não passa de um sem coração? Vive na apatia e tempera na comida o tempero que devia haver na vida. Você que vivia de amar, já tem 22 anos de vida e tantas paixões rodadas, se encontra agora no canto da mesa, bola de bilhar sem buraco, sem chance de vitória. A desilusão da vida impera e rechea os seus ossos, tripas, coração, de uma tristeza constante e de paixões fugazes por corpos errantes. Mas o amor, João, não está na esquina. O amor vai longe.

18 de janeiro de 2007

Os que blasfemam Cristo na cruz

O pecado não está no corpo castigado de Cristo e sim nas mãos e dedos sujos que apontam para o filho de Deus.

17 de janeiro de 2007

Alegria alegria

Só serei verdadeiramente feliz quando não houverem amarras que predam meu corpo ao chão. Até lá, ensaio a felicidade: a felicidade se apresenta em espasmos, se apresenta em orgasmos.

Ergue-te e caminha

Passado aquele medo febril e quase adolescente, eis que a convicção e a verdade dão um nó entre a razão e a emoção. Ainda abalado, talvez meio fraco, me vejo levantado do chão que tanto castigou meus joelhos. Enfim meus 22 anos provaram valer o que o tempo castigou meu corpo e meu coração.

16 de janeiro de 2007

Dois joelhos sobre o chão

Nunca me sucedera tamanho medo em muito tempo de vida. Medo no sentido mais profundo da palavra, substantivo masculino ausente de metáfora e ambiguidade, medo na palavra medo. Tudo na vida é tão simples e no entanto a dúvida, mais do que a certeza, deixa o corpo gelado, causa desatenção e estresse e medo do próprio medo. Não é simplesmente fugir do inevitável: é perceber o quão maleável é posicionar as peças no jogo e achar de todas as possibilidades a que menos vai fazer mal a alguém. Inclusive a mim mesmo.
Você, sempre enormemente resoluto, se depara com uma dúvida gigantesca. Qual é o tamanho da resposta para as maiores perguntas? Quem responde às nossas dúvidas?

15 de janeiro de 2007

No mensageiro

- Olá?
- Oi! Td bom?
- Tudo, e com você?
- Tudo ótimo! =)
- Escuta, tô só de passagem
- Hmm?
- Passei aqui para concluir aquilo que eu não pude fazer ano passado.
Você sabe, eu sei que talvez a minha aproximação tenha sido muito estranha...
- Hahaha eu lembro!
- Queria apenas que você soubesse que eu te acho incrivelmente bonita
- Nossa mew, obrigada!
- Você é muito muito muito bonita...
E fiz uma imagem de você que cheguei a acreditar que te amava.
- Ah meu, não precisa dizer essas coisas...
- Mas você é realmente linda. Eu sinto que tudo aquilo que pensei sobre você, que acreditei que você fosse não correspondeu.
- Como assim?
- A gente vê uma pessoa, olha, pensa, olha de novo...
E acabamos montando daquelas impressões que temos sobre alguém uma figura que nos apaixona.
- Acho que sei como eh...
- Poisé. E por mais que você seja maravilhosamente linda, descobri que você não é a pessoa certa para mim e vice-versa.
- Hm...
- Mas nunca vou perder toda a admiração que tenho por você. Você é mais que a sua beleza e merece mais do que ninguém ser feliz.
- Obrigada...
- Era isso. Queria te dizer antes de você ir para os Estados Unidos, acho que o fato de te dizer isso hoje me bota mais próximo de você.
- Pena que você disse isso só agora... Não que eu tenha me apaixonado por você, mas gostei de você.
- A vida tem dessas...
Boa viagem para você. Lembre-se de ser feliz!
- Sempre! =)

Isso é Bossa Nova, isso é muito natural

Há uma grande diferença entre ser sensível e ser homossexual (ou bi). As coisas acabam se confundindo, as pessoas acham que um é causa/consequência do outro. Hoje eu descobri que não, que é possível ser homem e sensível ao mesmo tempo. Quer dizer, isso eu sempre fui desde muito tempo, mas hoje formalizei em verbo, em pensamento. Agora tenho justificativa em papel para ouvir Antônio Carlos Jobim e chorar.

11 de janeiro de 2007

Vamo quebrá tudo!

Tem vezes que eu fico p. com o que eu escrevo. P. assim, de querer rasgar se escrevi em papel ou deletar se escrevi no computador. Mas deletar não satisfaria toda a minha raiva: eu quereria destruir tudo, o teclado onde escrevi, o HD onde o arquivo permaneceu escrito. Apagar apagar apagar. Apagar é uma virtude para quem sabe que está mal escrito. Se você lê e não se apega ao que você leu, que orgulho você terá em afirmar com todas as letras que aquilo é seu?

Rascunhar. Penso em quanto tempo se leva para fazer algo genial. Acredito na arte de um segundo e na arte de uma vida. Qual é o tempo que eu levo para fazer o que gosto, se de tudo que fiz, tão pouco gosto? É preciso papel, braço, caneta (ou lápis) para escrever? Ou um computador quântico?

Quanto tempo, quantas idéias, quantas metáforas, quantas vidas enfim. Tudo tão sublimemente efêmero. A vida, como a arte, é a perseguição de orgasmos continuados para que ao final nos sintamos vivos e felizes. O maior prazer de um ser humano é se saber infinitamente vivo. Por isso criamos e destruímos. (acho que achei uma resposta)

5 de janeiro de 2007

Subverter

Mas subverter o quê? O mundo já está de cabeça pra baixo.

Dúvida

Qual é o nome desse negócio o qual chamam "amor"?