20 de junho de 2009

A palavra, amor

Dizer tudo e não falar nada. Não há espaço suficiente para formalizar sentimentos em palavras. Queria fazer cabê-las todas ai, no teu coração, onde a maior de todas as forças plantaria a semente de um amor fulminante em ti. Desabrocharias qual rosa rubra e te entregarias a mim, já sem forças para resistir a eminente felicidade do nosso amor.

Mas não há tempo, amor. É necessário conjulgar o sentimento em torno de um poema, minha bandeira, e fincá-lo com toda a força contra teu peito. Um mundo precisa caber em uma pérola ou no menor dos cristais, com o qual te farei um brinco, um colar, um anel. Quero deixar em teu corpo a marca dos meus dentes para que olhes a cada banho teu e digas 'é ele'.

Quero fazer do meu amor o teu remédio. Tenho a sede absoluta de teus beijos. A necessidade obscura de dançar colado contigo. Quero rir e chorar junto contigo na rua vazia. Mas não há tempo, amor. Passa, qual a palavra, a vida.

15 de junho de 2009

Memórias de felicidade

O tempo apaga as linhas da memória e tudo se esvai. A dor passa de uma sensação a uma lembrança ao qual se quer apegar. O coração não conhece o que é auto-preservação. Palavras se perdem em fragmentos de nada, e se tornam vazias e fora de contexto.

Ser feliz de repente parece ser uma estrela inalcançável, mas já se esteve lá, tão perto. Sussuram e os caminhos se confundem, mesclam-se em um quebra-cabeça difícil de resolver, e quando espera-se encontrar as migalhas de pão que trazem de volta o impossível, eis a sala das coisas aleatórias. Tudo encontra-se fora do lugar e não há mais ela, senão seu retrato.

E a memória, que só sabe lembrar, e o coração, que só sabe sentir, discutem e travam uma batalha para entender essa nova realidade. Ela não está mais aqui, ela não vai mais voltar, concluem.

30 de agosto de 2008

Mapa-múndi

A vida é essa incessante corrida, onde não sabemos muito bem de onde vamos, pra onde vamos. E você foca tão inutilmente em olhar para frente (para trás é retrocesso), que da bolsa furada pela estilete rápida do bandido do tempo, caem cacos e pedaços de si pelo chão. Ínfimas partes, como a pele morta que sai ao banho, os cabelos que se desprendem do couro ou as unhas estrategicamente cortadas, vão deixando para trás uma trilha de si sobre o tempo.

Mas quando se percebe que se é não mais o corpo e sim um algo que ambula pelo tempo, não mais o âmago de si, é inevitável olhar para trás (o retrocesso) e querer pegar com a pá do etéreo uma amostra do que já se foi. Quebra-cabeça impossível de se montar.

7 de julho de 2008

Sonho interrompido

Achei que nessa correria que só a vida poderia nos proporcionar, 10000m com barreiras (das mais diversas), te encontraria ali, cheia de graça e mistério, e no seu mistério eu encontraria um arrimo para a dor da vida, do tempo e do mundo. Mas brota do misterioso chão da incerteza a dúvida que, como uma erva daninha, bota em perigo o sonho de toda uma plantação. Sonho com os olhos abertos, acordado, imaginando a mordida na primeira fruta colhida da árvore que até hoje só enxerguei em desenho: planta da planta.

4 de junho de 2008

Sala de espera

De todos os paradoxos, o mais inexplicável: estar sozinho e cercado de gente. Não o entendo. Como posso, diante de pessoas alegres e de bem com a vida, me enxergar sozinho no mundo? Lá estou, sentado com os braços em laço cercando as pernas dobradas, aguardando alguém sentar no banco ao meu lado. Um alguém com sorriso faceiro e uma timidez natural, um olha-não-olha. Mas não: um grupo de pessoas grita e faz barulho e derruba a chute a porta da minha espera. E ao entrarem em mim percebo-me inexplicavelmente sozinho, a mágica do desaparecimento, que faz sumir gente e surgir fantasmas.

2 de fevereiro de 2008

Xerox

Como se poderia ser uma cópia mal feita de se mesmo? Sou quem sou, mas meus gostos parecem copiados de um eu perdido no tempo. Vejo-me escritor aposentado de textos sempre bem comentados, mas de um espírito mal renovado e sob uma atividade predatória e não-renovável sobre minha criatividade. Tenho sede de livros? de arte? amo alguém?

Falo dos meus gostos e trago a mente lembranças de tempos atrás. Sinto-me um fantasma atrás do meu eu de tempos atrás. Quero-o de volta, encorporado em mim mesmo. Não posso, no entanto. Olho adiante e vejo o mundo com um leque aberto de oportunidades. Procuro ser eu novamente, espelho de mim mesmo, desenho sem rascunho e sem linhas por onde me guiar.

27 de dezembro de 2007

Terceira pessoa

Vertigens em azul, daqueles de fim de tarde quase noite. Vejo-me colado ao batente da porta, copo na mão de uma bebida que me falha a memória. Queria sentir seu gosto e poder enxergar o meu rosto, mas mesmo a pouca distância é um muro intransponível para minha miopia. E aquele pouco de surdez me previne de ouvir minha própria voz, que fica abafada em palavras que saem fracas da boca e do qual pouco se entende senão pelos lábios. Daí que a minha terceira pessoa percebe-se confusa e obscura no entendimento de mim mesmo, já na calada da noite, o céu em estrelas.