30 de agosto de 2008

Mapa-múndi

A vida é essa incessante corrida, onde não sabemos muito bem de onde vamos, pra onde vamos. E você foca tão inutilmente em olhar para frente (para trás é retrocesso), que da bolsa furada pela estilete rápida do bandido do tempo, caem cacos e pedaços de si pelo chão. Ínfimas partes, como a pele morta que sai ao banho, os cabelos que se desprendem do couro ou as unhas estrategicamente cortadas, vão deixando para trás uma trilha de si sobre o tempo.

Mas quando se percebe que se é não mais o corpo e sim um algo que ambula pelo tempo, não mais o âmago de si, é inevitável olhar para trás (o retrocesso) e querer pegar com a pá do etéreo uma amostra do que já se foi. Quebra-cabeça impossível de se montar.

7 de julho de 2008

Sonho interrompido

Achei que nessa correria que só a vida poderia nos proporcionar, 10000m com barreiras (das mais diversas), te encontraria ali, cheia de graça e mistério, e no seu mistério eu encontraria um arrimo para a dor da vida, do tempo e do mundo. Mas brota do misterioso chão da incerteza a dúvida que, como uma erva daninha, bota em perigo o sonho de toda uma plantação. Sonho com os olhos abertos, acordado, imaginando a mordida na primeira fruta colhida da árvore que até hoje só enxerguei em desenho: planta da planta.

4 de junho de 2008

Sala de espera

De todos os paradoxos, o mais inexplicável: estar sozinho e cercado de gente. Não o entendo. Como posso, diante de pessoas alegres e de bem com a vida, me enxergar sozinho no mundo? Lá estou, sentado com os braços em laço cercando as pernas dobradas, aguardando alguém sentar no banco ao meu lado. Um alguém com sorriso faceiro e uma timidez natural, um olha-não-olha. Mas não: um grupo de pessoas grita e faz barulho e derruba a chute a porta da minha espera. E ao entrarem em mim percebo-me inexplicavelmente sozinho, a mágica do desaparecimento, que faz sumir gente e surgir fantasmas.

2 de fevereiro de 2008

Xerox

Como se poderia ser uma cópia mal feita de se mesmo? Sou quem sou, mas meus gostos parecem copiados de um eu perdido no tempo. Vejo-me escritor aposentado de textos sempre bem comentados, mas de um espírito mal renovado e sob uma atividade predatória e não-renovável sobre minha criatividade. Tenho sede de livros? de arte? amo alguém?

Falo dos meus gostos e trago a mente lembranças de tempos atrás. Sinto-me um fantasma atrás do meu eu de tempos atrás. Quero-o de volta, encorporado em mim mesmo. Não posso, no entanto. Olho adiante e vejo o mundo com um leque aberto de oportunidades. Procuro ser eu novamente, espelho de mim mesmo, desenho sem rascunho e sem linhas por onde me guiar.