24 de dezembro de 2006

Experimentos com vodka

Partiu de uma experiência pessoal que eu acreditava não dar muito certo: escrever bêbado no blog. Surpreendentemente deu certo! Claro, nada maravilhosamente bom, mas ainda assim algo diferente e com uma essência diferente. Ai vieram os livros, escritores falando a respeito de drogas e falando a respeito da relação com o álcool. Com exceção do Millôr Fernandes que assumiu ter escrito uma parte d'O PASQUIM bêbado, os outros autores foram mais sucintos: nunca afirmaram com todas as letras que a bebida fazia parte do processo criativo. Numa entrevista, ainda falando sobre O PASQUIM, Paulo Mendes Campos assumiu que escreveu algumas vezes sob e sobre o efeito do LSD, afirmando que o negócio realmente dá barato.

Não menos influênciável e muito menos curioso, eu resolvi fazer um test drive para saber o efeito do álcool na escrita. Alguns me chamariam de ridículo mas não tenho culpa se eu sou cético ao ponto de pagar para ver. E assim, comprei a vodka no mercado, cuja marca vou me ausentar de dizer mas devo dizer que é daquelas que não dor de cabeça. Paguei mais caro do que o normal na garrafa, mas tudo bem, em prol do senso científico tudo é válido. Limões, açúcar, um socador, gelo na forma e eis tudo preparado.

Acabei me esquecendo do horário e ficou meio tarde. Decidi fazer um teste antes de partir para as caipiroskas que seriam o combustível para os supostos textos melhor escritos. Gelo no copo, vodka. Aliás, que me perdoem os amigos adeptos da pinga, mas vodka para mim é maravilhosa. Enfim, o teste em si: um gole e um gosto amaro, forte e uma quentura quase instantânea. Bom, o gosto é passageiro. Os outros goles que seguiram foram insípidos: a língua se acostumou com o gosto da bebida e eis vencido meu primeiro copo. E como me sinto agora, escrevendo com uma quentura (porque convinhamos: um copo de vodka não dá nem para o gasto!) ao som uma MPB que é a trilha sonora da vida: sinto-me bem. Poético e com vontade de versejar. Ver uns retratos de algumas musas inspiradoras invisíveis aos olhos do leitor ajuda também, dá vontade de escrever sobre o amor (como acredito que vou fazer daqui a pouco). Dá muita vontade de ouvir Cazuza, embora Vinícius fosse mais pé-de-cana (talvez por mais tempo de vida que o primeiro). É vontade de escrever mesmo. Na verdade, acho que mais vale a pena é botar uma música boa, sentar com uma bebida e caderno em punhos, escrever. Faz tempo que não escrevo em cadernos. Embora o computador me dê mais liberdade para escrever prosa, meu verso fica perturbado no computador. Eu me considero meio frustrado na arte do verso, porque é preciso lutar muito feio com um poema para ele sair bom. Eu tenho vontade mas nunca consegui dedicar muito sangue a um poema apenas. Afinal, quantos poemas por ano escreve um poeta? Quantos poemas fenomenais, únicos, escreve um poeta em toda a sua vida? É isso que eu penso agora, antes de me confiar em um novo poema, desabafo sentimental. Lembro de Drummond falando dos que versejam por leve contato com as forças líricas desse mundo, a respeito daqueles os quais ele não considera poetas. Então talvez eu não seja poeta para Drummond, mas ainda assim sou poeta, poeta de mim mesmo?

É, minha primeira experiência. Feliz, o calor já passou um pouco, o bafo de álcool até eu sinto (não se precisa de muito para perceber). Comer algo, escovar os dentes e deitar na cama. Qual vai ser meu nome quando eu acordar?

23 de dezembro de 2006

Liberdade conquistada

Como a maioria dos povos do mundo, para as pessoas também se aplica a máxima do conquistar sua própria liberdade. Para tudo, no seu ambiente de trabalho, em casa, entre amigos e entre inimigos. Acredito que quando você conquista a liberdade em todos os aspectos da vida, você passa a se tornar mais feliz, pelo fato de você não ter mais a necessidade de engolir sapos desnecessários. Claro, quem é totalmente livre? Ninguém, mas ao menos quando você percebe que você tem liberdade, que você tem escapatória, aí as coisas ficam mais simples, mais maravilhosas.

Eu lembro daquele mito da caverna quando se fala em liberdade. Quer dizer, somos livres, mas o quão livres nós realmente somos? E há quem prefira a liberdade aparente, afinal, o importante é ser feliz. Eu penso então em qual lado que eu gostaria de estar, dentro ou fora da caverna. Acho que eu escolheria o lado de fora, é uma síndrome excessiva (quase compulsiva) por liberdade mas não consigo me ver de outra maneira.

E foi mais ou menos isso que eu fiz. Acho que o quão feliz você é é proporcional ao quão livre você é. E a minha liberdade afeta diretamente a liberdade que dou aos que eu amo. Sei que perder a liberdade às vezes nos ajuda e nos ensina coisas novas, mas não acho que seja mais esse o caso: quero experimentar o novo através da liberdade que tenho com quem amo. É isso ai para 2007.

21 de dezembro de 2006

Manifesto auto-biográfico

Eu sou um cara que vive no hiato das coisas: para os japoneses eu sou o gaijin, o renegado da "raça"; para os brasileiros de parentesco de outras partes do mundo, eu sou o japonês pobre. Se eu andasse por ai com jaqueta da Nike, ouvindo um iPod de 60 gb de capacidade e saindo com a dita colônia, eu seria o japônes riquinho que seria assaltado numa média de quatro vezes ao ano. Mas não, eu sou simplesmente um mestiço alto que gosta de andar de boina, papetes e com um livro de Drummond sempre a mão. Afinal, se eu fosse um trombadinha eu jamais assaltaria um cara que anda com um livro de poemas na mão, em parte por dó do cara que mal tem grana para comprar um livro pop idiota e por outro lado por medo de ficar viado que nem ele.

Como eu já havia dito, eu vivo no hiato. Não como na palavra saúde (sa-ú-de), mas metaforicamente. Sou universitário (nada universal) estudante de Ciências da Computação, mas sou medíocre como programador. Por medo de encarar a vida do lado difícil e uma provável repressão do pai, não cursou Letras, para se tornar professor e, quem sabe, escritor e poeta. Mas como escritor e poeta também é bem meia-boca. De vez em quando sai algo genial, mas é raro raro. Quis ser pesquisador algum dia, mas nem para isso sirvo. Como professor, quebro um galho e me atrevo a dizer que ensino bem.

Muita coisa me incomoda, no entanto. Uma delas é os meus amores. Não o fato de amar, que no fundo é bom, mas as mulheres por quem me apaixono. É foda de acertar em cheio e achar uma pessoa simultaneamente inteligente e bonita. Mas mais incômodo que o amor que sinto, é os tabus que criei. A pior c. que
eu fiz foi ter falado para meus amigos e colegas sobre a minha predileção por mulheres orientais, mais especificamente japonesas. Disso os menos espertos pressupõe (errôneamente) duas coisas: 1- que eu quero f. com a primeira japonesa que aparece na frente, seja ela bonita, feia, solteira, enamorada, casada ou desquitada. 2- se não for japa eu não acho bonita de jeito nenhum e quero ver longe. A primeira conclusão precipitada me levou a situações bastantes trágicas, como por exemplo eu ter falado sobre meu gosto apurado para mulheres nipônicas na aula de espanhol ... onde estudava uma japonesa ... que tinha namorado. Passei o semestre inteiro me sentindo mal de sentar do lado da guria, que quando me olhava parecia que tinha medo que eu saltasse em cima dela e estuprasse a coitada. A segunda coincidentemente me levou a um contato mais próximo com minhas colegas "gaidas", que sempre me olharam como o inofensivo amigo delas, quase um amigo gay. Isso era legal, gosto quando as pessoas não me olham como se eu fosse um maníaco do parque.

Mas ainda assim, gosto de olhar, no sentido de olhar pessoas. Eu vou passando pelas ruas da cidade e vejo as pessoas, tão compenetradas. Algumas retribuem docemente meu olhar com uma outra olhadela, não tem coisa que bote a gente mais pra cima. Principalmente das meninas bonitas! Quem não resiste a um olhar comunicativo, no melhor estilo "te quero"? Fora os rabos-de-saia, que não olham para a gente mas a gente não reclama, se não olhar é melhor.

Ainda assim vivo no hiato da teoria e da prática. Meu jeito muito espontâneo de ser já rendeu muito risada, muita briga, eu mesmo rio das palhaçadas que eu faço. Já me perguntaram algumas vezes se eu era gay, outras me chamaram de comunista. Não sou homo nem bissexual por resoluções pessoais, mas comunista talvez nem tanto. Quer dizer, não tenho bandeira da união soviética atrás da porta do quarto e não substituo a oração noturna por um trecho de qualquer manifesto comunista. O problema na verdade são as pessoas. Acho que 92% das pessoas do mundo não presta (assim como as estatísticas, no sentido de pesquisas) e Deus quando disse "vai lá meu filho, ser gauche na vida" mandou eu buscar a porcentagem dos que se salvam. Mas ai achei essa visão muito egocêntrica, embora ainda ache que 92% das pessoas do mundo não prestem, e a outra parte, para desgraça geral, morre das mais diversas causas, mas tanto faz. Hoje eu tento fazer a minha parte para fazer do mundo um lugar melhor na esperança de que me enxerguem e pensem "esse cara tá certo" e façam sua parte.

Tenho um orgulho ferrenho de muita coisa pelo qual já se perdeu orgulho: de ser paulista e paulistano (salve São Paulo, cidade da culinária, das artes e do estresse), brasileiro e latino-americano. Gosto somo muitos, não dá para contar todos, mas não posso deixar de citar a literatura, a música popular brasileira, uma cerveja com os amigos, um cinema inteligente (independente?), batata-frita (que vai me matar um dia de colesterol), escrever, bater uma pelada com os amigos e assim vai. Tenho orgulho de tudo que gosto e faço, inclusive das c. homéricas que faço sozinho ou com todo mundo. Sou cheio de vícios e manias, tenho um perfil levemente voltado para alguns distúrbios mentais de menor grau. Hereditariamente sou deprimido, mas eu tento superar tudo que é barra na minha vida.

Quando vou me pensar no futuro, eu vejo muitos planos e pouco dinheiro. Ser pobre é mesmo f. Mas me penso com o meu lar, uma família. Vejo-me casando, claramente. Não sou adepto da igreja, acho o discurso que se prega nela estupidamente hipócrita. Da última vez que fui a uma missa, quase vomitei durante o sermão do padre. Mas acredito em Deus, acredito na eternidade do casamento (do ponto de vista poético). Aliás, em vez de um padre, preferiria que tivesse um recitador com uma viola que nos fizesse jurar em verso o amor eterno um pelo outro. Acho que isso Deus aprova. Queria ter dois filhos, o tradicional casalzinho. Cada dia que passa fica mais f. de se ter e manter filhos. Queria dar a eles todo o carinho de pai e mostrar que as coisas sejam possíveis. Perdi o viés de achar que os amores são eternos, odiaria casar por acidentes de percurso da vida. Meu conceito de relacionamento duradouro é aquele em que no final das contas as pessoas guardam reciprocamente um respeito pelo outro e sabem que, embora talvez as coisas não sejam como os fogos de antes, não há pessoa mais doce no mundo senão aquela com quem se está. Quero ter uma família feliz, acima de tudo.

E já que é para falar de filhos, vamos falar de sexo. Os pudicos, moralistas que me perdoem, mas um bom amasso é fundamental num relacionamento. Não me venham encher a orelha com babaquices sobre pílula e camisinha que eu não arredo o pé: o contato íntimo é fundamental entre os casais. Tem que ser saudável, no entanto, nada de orgias diárias ou sucessivas sessões de terapias de casal práticas (que fazem bem de vez em quando, mas sempre faz perder o gosto). Não acredito que um relacionamento vá longe se ele se baseia em sexo, mas sem ele o negócio perde a graça.

Tenho muitos amigos, inúmeros. Às vezes esqueço de um ou outro (perdão, mas a memória falta em certas horas), mas o reencontro é sempre aquela alegria. Eu sou um cara-abraço. Alguns dizem que eu sou carente demais, outros dizem que sou carinhoso, cada um tem um olho que enxerga como quer. Sou fiel aos meus amigos, é gente que conquistou meu respeito ao longo do tempo, acho isso fundamental. Tem gente que passa rápido na vida, cumpre seu papel na nossa e vai-se, demasiado rápido para lembrança. Mas em cada gesto fica aquele quê de alguém que passou, de tal forma que somos recortes e colagem dos vários pedaços que vão e voltam na vida. A vida não teria razão de ser se não fossem os amigos, principalmente aqueles a quem você designa a alcunha de "melhor amigo". Esses daí é caso sério, é quase pacto de sangue. "Meu, tô na merda tem como vir me salvar?" "Chego ai em quinze minutos". Tome ônibus, chuva e elevador para aquele abraço. Para comemorar também não há gente melhor: não há gente que dê mais colorido em uma mesa de bar que não as pessoas que riem alto dos causos passados, das piadas novas e chorem de leve de pensar que assim de novo só Deus sabe quando. Os grandes amigos são raros, não só na quantidade mas na frequência com que a gente vê.

Aliás, sapo eu não engulo mais não. Vai para a p. que o pariu se tem algum problema com isso.

Eu vivo no hiato da vida. O mundo anda tão de cabeça para baixo, que eu acho que muitas virtudes e qualidade hoje não valem muito. Ai eu não sei se no final ds coisas eu sou um cara bom ou ruim. Já vi tanta gente que não presta se dando bem na vida, tanto nego bom na m. Essas coisas eu não entendo. Não entendo, por exemplo, tanta guerra que mata gente que não tem nada a ver com a guerra. Quem tem culpa de ter nascido num pedaço de terra cercado de fronteiras? Imagina se algum dia chegasse um soldado americano com um fuzil na minha cara e me falasse "repeat after me 'my country is full of whores and dumbasses'", enquanto me filmasse pelado e botasse as imagens no YouTube? Eu ia era ficar f. da vida com um m. desses. Nem precisa ir muito longe: mesmo os brasileiros destratam seus pobres como se eles fossem igualmente culpados de terem nascido pobres. Claro, ser pobre é um estilo de vida. Graças a Deus tem aqueles programas sensacionalistas para mostrar o estado deprimente dos pobres a troco de nada.

A vida é f., em suma. Eu nunca consigo falar de mim mesmo sem falar em toda essa tranqueirada junto, porque é o que me falta de estômago para dizer em voz alta pelas ruas. Eu seria internado num hospital psiquiátrico junto com um punhado de gente que talvez tenha tomado a mesma decisão de verbalizar o que eu escrevi. Ces't la vie, meus colegas, é uma parte da minha vida, no hiato das coisas.

Desabafo amoroso

As poesias de amor não fazem sentido àqueles que não entendem o que é o amor. A poesia se torna uma coisa ridícula e particular, longe do caráter da poesia como arte. Mas no seu âmago, a poesia é a arte de expressar em forma de verso os sentimentos do ser humano. Não existem regras para poetizar: quem as criou pensou logo numa elitização da poesia enquanto arte, quando na verdade a poesia tem origem oral e popular. Sendo assim, deixem os homens cantarem seus amores impossíveis, porque a eles pode não caber o título de artista, mas isso não os impede de amarem profundamente.

Soneto

Perplexado na monotonia de mim mesmo,
Encontro-me sob a sombra de uma amoreira
Entre os versos de Drummond e abelhas
Que vêm roubar dos frutos a sua doçura.

O marca-páginas do livro é uma foto sua
Que tirei delicadamente do seu presente
Para poder ver, cada vez que abrisse o livro
O seu rosto em lembrança com um sorriso.

Eu muito desencontrado, não vejo nos campos
Mais beleza que em seu pedaço de papel
Onde sei que pousaram sua mão e seu beijo.

Meu coração se sabe apaixonado por ti
Nessa saudade de te perceber longe demais
E sempre perto, entre cada página do livro.